Ler Nietzsche, em O Anticristo, significa
entrar em contato com o mais contundente filósofo crítico. Essa leitura provoca
dois sentimentos: o primeiro é de admiração pela sua coragem em atingir com
agressivas críticas, simultaneamente, a Igreja, a casta sacerdotal, os
cristãos, os judeus, os alemães, os teólogos, o apóstolo Paulo, Lutero e todos
que trocam a vida presente pela vida no além; o segundo, surpresa pela
coerência com que distingue Jesus de tudo aquilo que fizeram de sua mensagem.
Sua escrita apaixonada e, por vezes, apaixonante, mesmo quando se equivoca com
interpretações forçadas dos textos do Evangelho, denuncia o espírito obstinado
em seus bem definidos propósitos. Seu ataque ferrenho ao Cristianismo tinha
endereço certo: a Igreja que se construiu depois da morte de Jesus e os erros
cometidos pelos cristãos, principalmente a negação da vida material. Seu olhar
foi dirigido aos fatos que marcaram o Cristianismo até o Século XIX, bem como a
todos os pais da Igreja. Culpou os próprios alemães por terem se deixado
contaminar pelo Cristianismo. Ao lê-lo, pode-se amá-lo e odiá-lo, ao mesmo
tempo, porém não se pode negar sua disfarçada admiração pela pessoa de Jesus.
Sem o querer, creio eu, mostrou-se muito próximo de Jesus, principalmente
quando tentou limpar a mensagem do Evangelho das contaminações dos que
deram continuidade a sua divulgação. É certo que Nietzsche foi cruel em suas
críticas, mas não se pode retirar-lhe a genialidade de suas ideias nem tampouco
a capacidade de ler a história das civilizações com bastante competência. Assim
como Jesus convidou Saulo de Tarso para dar continuidade à disseminação de suas
ideias, provavelmente, numa próxima encarnação, chamará Nietzsche para juntar-se
às suas hostes. Espero que a consciência da imortalidade possa ter dado, a esse
notável filósofo, mais amorosidade, mais vontade de elevar os fracos e
oprimidos à categoria de nobres e possa, também, ampliar sua vontade de
construir um mundo melhor.